Sexta, 09 Junho 2006
O passo*
A evolução é algo realmente espetacular. Certos caminhos que ela escolhe podem, milênios depois, favorecer o sucesso ou o fracasso de uma espécie. Lembrei disso lendo na Reuters uma notícia sobre um tipo de big brother sobre pandas, na China.
Esse bicho fofinho, que todos adoram e é símbolo da luta pela preservação das espécies, corre risco de extinção em boa parte por uma escolha em seu caminho evolutivo — estou excluindo aqui o bicho-homem, já que esse é uma ameaça a qualquer ser vivo que exista.
Sabe-se lá quantos mil anos atrás, o ancestral do panda, por algum motivo como a abundância de bambu em seu hábitat, curtiu tanto comer essa planta que ela acabou se tornando a sua única fonte de alimentação. Como o bambu não é lá um alimento muito rico, o bicho passa quase o dia inteiro comendo e comendo enormes quantidades da planta. Ou seja, é necessário um superbambuzal para abastecer apenas um bichinho fofinho — que, além disso, tem grandes dificuldades em sua reprodução, o que o deixa mais em risco.
Algo parecido ocorre com o guepardo, aquele gato magrelo que corre bem mais do que qualquer um de nós. Ele apostou todas as fichas na velocidade. Especializou-se tanto em correr para vencer sua presa que precisa de um território enorme, o que, por causa da expansão do tal bicho-homem, está ficando cada vez mais difícil.
Vi hoje também nos sites outra curiosa notícia que me lembrou desta coisa de evolução. Você sabe o que é um ocapi? Okapi, em inglês. Sabe? Eu também não sabia, mas li que o bicho foi redescoberto num parque em Congo onde se acreditava estar extinto. É um parente bem engraçado da girafa — isto é, em algum momento da evolução, ambos se separaram para cada um seguir seu caminho.
Estas curiosidades evolutivas não são monopólio do mundo selvagem. Também ocorrem entre nós, humanos.
Os japoneses e seus ancestrais, por exemplo, cultivaram durante milhares de anos uma dieta baseada em grãos, como arroz, e peixe. Nenhum deles é rico em gordura, que, na quantidade certa, é bom para o corpo. Por isso, o organismo deles acostumou-se a retirar e absorver toda a gordura que podia dos alimentos.
Mas, aí, apenas poucos séculos atrás, ocorreu o contato com o Ocidente, para onde muitos deles, inclusive, se mudaram. Vieram então doses de carne vermelha (hambúrguer, picanha, etc), cuja quantidade de gordura é muito maior do que eles estavam acostumados. Como a evolução é algo em andamento que leva às vezes milhares de anos para dar um passinho, o organismo dos japoneses continuou retendo tudo o que podia dos alimentos ocidentais. O resultado foi um explosão de problemas como obesidade, diabete e doenças cardíacas nos japoneses ocidentalizados.
Tudo isso é meio estranho, mas nos faz lembrar uma lição já batida: um passinho hoje pode ter muitas conseqüências, boas ou más, num futuro bem mais distante do que supomos.
* Inicialmente postado em O Garganta de Fogo
01:10 Escrito por fiume em Ciência | Permalink | Comentários (0) | Tags: alimentação, ciência, evolução, meio ambiente | | del.icio.us | | Digg | Facebook | | Imprimir
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