Terça, 04 Outubro 2005
Edifício inacabado
É bacana a idéia. Apontar a câmera para a classe média baixa em um só edifício da movimentada Copacabana, a "uma esquina da praia". Eduardo Coutinho é considerado o maior documentarista brasileiro, com obras como Cabra Marcado para Morrer e Peões. Para fazer Edifício Master, ele e sua equipe alugaram um apartamento por um mês e entrevistaram os moradores, na idéia de mostrar a "vida do prédio durante uma semana".
Os números do edifício são bem atrativos: 276 apartamentos conjugados (o quarto-e-sala) em 12 andares – 23 por andar –, mais de 500 moradores.
O filme mostra 37 entrevistados: o sujeito que conheceu Frank Sinatra e, modestamente desafinado, canta My Way; a moradora que passou por 28 apartamentos em seus 49 anos, todos – os anos e os apartamentos – no prédio; a jovem mãe que se prostitui; o síndico, adepto dos métodos Piaget e Pinochet para administrar o prédio; o casal de aposentados que se conheceu pelos classificados; o camelô que, diz, já foi bem de vida; a doméstica natural da Espanha que acredita que muitos pobres são, na verdade, preguiçosos; o homem que, abandonado quando bebê, encontra um recém-nascido deixado no corredor; entre outros. Enfim, na maior parte, são bons, muito bons personagens.
O problema é como isso é mostrado. Tudo é muito cru, muito solto, muito deliberadamente improvisado. Não há grande preocupação com edição, com detalhes, com cadência – por escolha, é verdade.
Não são mostrados detalhes dos apartamentos (nem uma só foto, nem um móvel estranho, nem uma geladeira velha), nem dos entrevistados (nem um anel, nem um sapato) nem do próprio prédio. Nem a fachada é apresentada. Há apenas uns poucos flagrantes dos corredores, que não conseguem amenizar essa situação amplamente verbal, embora sejam muitos bons: senhoras com um bolo cantando Parabéns pra você para uma das moradoras; a bela cena de uma criança de uniforme escolar batendo à porta do vizinho para que o gato possa entrar; a breve e discreta espiada pela janela nos apartamentos vizinhos.
Talvez tenha havido um equívoco de Coutinho ao dizer, na única e pequena narração no início, que o filme mostraria a vida do prédio. Isso ele não faz. Mostra, na verdade, as histórias de vida de seus moradores atuais.
(Tenho de abrir um parêntese aqui, já que estou dando meu depoimento um tanto mal-humorado sobre o que achei do filme. Talvez, por causa da profissão, eu já esteja acostumado demais a bons personagens e seus dramas, suas histórias, suas felicidades. Talvez eu me interesse no momento mais pela forma como as histórias são contadas. Vi em DVD. Gostaria de ter visto o filme no cinema, na época do lançamento, em 2002, para sentir a reação das pessoas às entrevistas, se ririam, se ficariam em silêncio).
O documentário está praticamente todo centrado nos depoimentos, que são, de fato, o essencial da obra. Mas eles vão correndo sem quase edição, sem unidade. Edifício Master parece, na verdade, um filme inacabado (Para não dizer mal-acabado).
23:00 Escrito por fiume em Filme | Permalink | Comentários (0) | | del.icio.us | | Digg | Facebook | | Imprimir
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