Quarta, 21 Março 2012
Eu tive uma filha em 1998
C2 - O ESTADO DE S.PAULO CIDADES SEGUNDA-FEIRA, 6 DE ABRIL DE 1998 CRÔNICA
Débora e as cores dos dias
RODRIGO FIUME
Lembrei-me desta história ao ler a crônica do Ignácio de Loyola Brandão no caderno de ontem – escrevo o nome inteiro para não dar a impressão de “entrão”. Não tem nada a ver com os temas abordados, mas ele citou uma criança doente e veio à minha cabeça a imagem de Débora. Eu lia o jornal, de manhã, na sacada do apartamento, como de costume. Faz quase um ano, acho. Era uma segunda-feira. Notícias de sempre – ficou difícil encontrar assuntos novos atualmente. Drogas, juros, sem-terra.
Débora estava feliz, embora um tanto quieta. Havia tido febre, por conta de uma inflamação de ouvido, durante quatro dias seguidos, mas, felizmente, já tinha passado. Ela assistia na TV àqueles programas infantis bobos (certa vez, pensei em tentar evitar que ela visse tanto esse tipo de programação, mas acabei cendendo ao argumento da minha irmã, Raquel, psicóloga, de que eu jamais conseguiria convencer Débora do motivo de ela não poder ver o que todos vêem. “Vai sempre criar um atrito”, se bem me lembro, foi o que Raquel me disse, na linguagem típica da área).
Sentada no tapete, olhando um pouco para o alto para ver a TV, ela até parecia não estar prestando muita atenção no programa. Balançava a cabeça para um lado e para o outro e ficava dizendo uma expressão engraçada: “Pitpitbolipitbolipopof.”
Como Débora estava ocupada, descuidei-me um minuto dela.
“Pai, por que que o domingo é vermelho?”
Por que o domingo é vermelho?!
Não havia percebido até então, mas ela estava do meu lado. Trazia na mão uma boneca Barbie. Presente da Irene. No dia anterior, ela havia ficado “de mal” comigo. Débora queria de qualquer jeito ir brincar no playground do prédio e eu, naturalmente, não deixei. Falei que ela ainda estava doente e não podia sair. Tinha de ficar em casa, descansando, até sarar. Essas coisas. Ela retrucou: “Mas hoje é domingo, paiiii.”
Domingos são sempre, ou quase, bons para as crianças – o quase fica por conta da minha professora de história da 7.a série, que sempre marcava as provas na primeira aula da segunda-feira. São dias de brincadeira.
Voltando à pergunta, não posso dizer que estava realmente preparado para respondê-la. Parece que nunca estamos – ou estou, se preferir. Por um instante, procurei por Fernanda. Acho que queria ajuda para sair dessa, mas logo percebi que era bobeira fugir. De qualquer forma, Fernanda havia saído (“Tchau, tô atrasada.”). Eu estava só em casa com Débora. Diante do inevitável, tentei ganhar argumentos: “Quem te disse que o domingo é vermelho?”
“Ninguém, ué.”
“Então como você sabe?”
“Porque é, paiiii.”
Crianças acabam achando que os pais sabem tudo. Eu pelo menos achava. Mas para uma pergunta dessas... “Bem, mocinha, se você diz que ele é vermelho, é porque é mesmo vermelho. Mas eu não sei te dizer por quê.”
Débora ficou me olhando, em silêncio. Colocou o dedo na boca, mas logo o tirou. Ela ficou um pouco decepcionada. Eu até poderia encerrar o assunto ali, mas fiquei curioso com a história de uma menina de 3 anos e seu domingo vermelho. Prossegui: “Moça, vem cá. Por que você acha que o domingo é vermelho?”
“Por que é.”
Abordagem errada. Outra tentativa: “Mas ele é vermelho como, de que jeito, claro, escuro?”
“Sabe quando você fica olhando pro Sol e fecha os olhos? É assim, vermelho.”
Domingo, Sol e vermelho. Que combinação!!! É mesmo engraçado pensar que um dia tem cor própria. Acho que nunca havia pensado nisso. Mas, se o domingo é vermelho, que cor teria outro dia, como o sábado?
“Verde”, ela respondeu.
A gargalhada foi inevitável. Acontece cada coisa. Naturalmente, fiquei curioso para saber por que ela achava o sábado verde, mas Débora não conseguiu me explicar nem fazer uma relação como a do Sol. É claro que eu queria saber se os outros dias também tinham cor, mas acabei juntando os demais como “os dias da semana”.
“Dia de semana, o que é dia de semana?”
Errei na pergunta. Às vezes me esqueço de deixar de ser adulto. Expliquei que eram os dias em que ela ia à escola.
“Ah, esses são chuviscos.” Chuviscos?! “É, pai, chuvisco.” Mas chuvisco não é cor, pensei. “Você tá dizendo que os dias de escola têm cor de chuvisco? Como são esses chuviscos?”
“Chuvisco, ué, que nem na televisão.”
E agora?
“Uma vez, a TV parou de passar o desenho e ficou passando um monte de chuvisco. Mamãe disse que era chuvisco. Depois o desenho voltou.”
Ah! Os dias de semana tinham cor de TV fora do ar.
■ O jornalista Renato Lombardi está em férias
PSs.:
1. Todas as pessoas existem, mas não são exatamente o que está no texto. Débora, na época, tinha mesmo 3 anos. É filha do Sérgio, um amigo --infelizmente hoje falecido. Fernanda é uma amiga, assim como Irene -- ela adora Barbies. E Raquel é mesmo minha irmã, psicóloga hoje não mais praticante, que certa vez me falou da história do "atrito".
2. Aos amigos fotógrafos: reparem no crédito da foto.
3. O mais engraçado dessa história foi que me descobri um mentiroso competente. Várias pessoas, indignadas, vieram me questionar: "Como é que você nunca me falou que tem uma filha?"
12:11 Escrito por fiume em Jornalismo, Memória | Permalink | Comentários (2) | Tags: jornalismo, memória, crônica | | del.icio.us | | Digg | Facebook | | Imprimir
Sexta, 27 Janeiro 2012
De bike
De início, há muita agitação, estão todos meio inquietos em cima da ponte estaiada, bikes a postos, à espera da largada. Um sujeito mais apressado se adianta, depois vem outro, mais outro, mais outro, mais outro. Teimosia. Param logo em seguida. Lá ao longe dá pra ver: a "comissão de frente" ainda nem saiu.
A partida mesmo é meio sem graça. Tem gente demais à frente. Para, pé no chão, vai. Para, pé no chão, vai. Para, vai. Até que a coisa vai. Engraçado é ver gente barbeirando, ainda insegura, guidon e mãos tremendo — guidon ou guidão?
Na estação Berrini, a primeira do percurso na Marginal Pinheiros, já tem gente sentada nos bancos, bicicletas encostadas, à espera do trem. O que será que vieram fazer no passeio? Será que vieram só por causa das bikes? Custaram R$ 200 cada. Dá pra ter lucro nisso? Sabe-se lá.
Do outro lado, no canteiro central, tem gente parada, sanduba na mão, fazendo um lanchinho. Mas já? Não deu nem 1 km!?
Pouco adiante, mais bikes paradas. Agora, cigarro na mão. Não dá pra esperar um pouquinho?
A "procissão" continua, milhares de bikes à frente, atrás, do lado. "Parabéns, São Paulo!", grita um senhor. É, são 458 anos. Parabéns mesmo. "Vai, Curíntia!", berra um sujeito. Quanto será que tá a final da Copinha?
Um casal "escolta" o filho, rodinhas de plástico barulhentas no asfalto. Qual será a idade desse menino? Cinco? Dúvido. Três, no máximo quatro.
Melhor reduzir o ritmo, o sol tá pegando. Faz quase 15 anos desde a última vez numa bike. Sabe-se lá se chego ao final. Mas se esse vôzinho teimoso ali do lado consegue eu também consigo.
Zummm. Olha lá o menino da rodinha! Ô, moleque, onde você pensa que vai? Ahah, lá vai o pai atrás. Moleque teimoso.
Já perto do fim, na ponte Cidade Universitária, aparece um sonzinho. De onde vem?
Que bike esquisita. Tem tudo quanto é cor e uma roda traseira que parece de carro, mas um pouco menor. E caixas de som. Ah, o sonzinho: "É que tudo acaba onde começou". Raul.
Na pista local da marginal, vê-se um mundo de carros parados, gente de braço de fora, impaciente. Trânsito!? Nem parece feriado. Quantos meses faz que estão avisando que 8.000 bikeiros vão cruzar a via? São Paulo às vezes para, sim. Mas é por teimosia.
PS.: Presente ainda nas cidades de Lisboa, Porto, Madri e Rio de Janeiro, o World Bike Tour levou em sua 4ª edição paulistana 8.000 pessoas para pedalar no 458º aniversário da cidade, segundo os organizadores. Foram 9 km pela pista expressa da Marginal Pinheiros, da ponte estaiada até a Cidade Universitária. Cada participante paga R$ 200 e leva: bicicleta, capacete, camiseta e mochila com reservatório de água e mangueira.
Segunda, 21 Fevereiro 2011
Dois cisnes, um ganso, uma barata e nenhum galeto
Encontrei o Ganso, o jogador, num restaurante na Augusta com a alameda Santos. Foi no sábado à noite, depois de ver Cisne Negro no Espaço Unibanco.
Cheguei e logo fiz o pedido. Eram por volta de 21h30 --Marta ligou para a cunhada, depois do pedido, às 21h36. Como não apurei o "outro lado", vou omitir o nome do restaurante.
Pedi um galeto... Tipo clássico, com salada verde. Marta pediu uma Ceaser Salad. Havia poucas mesas ocupadas.
Cinquenta minutos e quatro galetos servidos em mesas vizinhas, passou uma barata na parede, bem ao lado do meu braço. Chamei um garçom, houve uma pequena operação de guerra, alguém a retirou com um guardanapo.
Eu já havia reclamado na demora na vinda do prato. Mas, com esse pequeno incidente, pedi a conta.
Apareceu o maître, educado, pediu desculpas, dizendo que ficássemos. Pedi eu desculpas, falei que não ficaríamos, chegou então o galeto --e a salada de Marta--, disse que pagaria os pratos, o maître não aceitou nem o valor das bebidas...
Enfim... Comi no Súbito do Conjunto Nacional.
Não posso garantir que o risoto estava melhor que o galeto, mas ele fez o percurso da cozinha até minha mesa num tempo cinco vezes menor e o único bicho que apareceu foi um adolescente desajeitado que estava na mesa ao lado.